A Bolívia está à beira da crise
“Parece que o governo criou uma lógica de que ‘quem não está conosco está contra nós’ e com isso perde a perspectiva do processo histórico social interno e sobre quem são seus aliados”, diz Rafael Duarte Villa, cientista político e professor da Universidade de São Paulo (USP).
De acordo com o professor Villa, os grupos sociais indígenas já não são tão ingênuos e ganharam certo nível de consciência política sobre o que significa mobilizar-se contra o governo. Mas que “grupos de oposição lucram com esse enfrentamento, cuja a principal base de apoio era classe média não indígena.” Agora a base da oposição pode ser ampliada, se a oposição conseguir trazer para seu lado esses setores sociais indígenas descontentes. “Esse é um ponto que o governo Morales não está entendendo bem. [Essas manifestações] não só enfraquecem o governo socialmente, mas fortalece socialmente a oposição”, avalia.
Numa tentativa de amainar a violência da operação de domingo, que reuniu 500 policiais contra cerca de 1500 manifestantes na aldeia Yucumo, a 300 quilômetros da capital La Paz, Morales decidiu suspender a construção da estrada, considerada estratégica para o país – a rodovia teria um percurso de cerca de 300 quilômetros e um custo aproximado de 420 milhões de dólares, financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Para conter o protesto, policiais atacaram com gás lacrimogêneo e cassetetes barracas de acampamentos indígenas. A ação teria deixado mortos duas crianças e quatro adultos, segundo a imprensa local. Os policiais espancaram e amordaçaram homens e mulheres, que foram levados à força para ônibus e vans em direção às suas comunidades.
O vice-comandante da Polícia, general Oscar Munoz disse que o uso da violência foi uma resposta à ameaça de nativos armados com flechas. Mas o procurador do Ministério Público da Bolívia, Rolando Villena, disse que os índios foram atacados quando se preparavam para jantar, e exigiu a Morales a “cessação imediata da violência”, conforme solicitado pelo escritório da ONU em La Paz.
Em reação, nesta segunda-feira 26, a ministra da Defesa boliviana, Cecília Chacón, renunciou ao cargo alegando discordar da “intervenção feita pelo governo” no domingo.
Para cientista político, população indígena que deu apoio crucial à reeleição de Evo Morales à presidência, que protesta contra obra que atinge reserva florestal, dá margem para aumento da base oposicionista. Foto: Aizar Raldes/AFP
Fonte: Revista Carta Capital
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